sexta-feira, 6 de julho de 2012

O ESPIÃO ERUDITO

Blunt as Surveyor [of the King's Pictures], escorting the Queen


"Serão os 'monumentos do espírito que não envelhecem', nos altivos termos de Yeats, passíveis de negação moral ou política?" 

(George Steiner:"O sacerdote da traição")




Steiner faz esta citação a propósitio do célebre caso de Anthony Blunt, consagrado crítico e estudioso de arte britânico, mestre incontestado, duma intransigência intelectual em relação à "verdade" na arte por todos admirada, qualidades que o guindaram aos mais altos cargos e ao de curador da pinacoteca da Corôa. O seu defeito? Mentiu durante quarenta anos a tudo e a todos, fora da sua especialidade. Blunt até à denúncia oficial pela Senhora Thachter, levou uma vida dupla de espião ao serviço da URSS.

Essa traição ao seu país e aos seus pares desqualifica, no mínimo que seja, o seu trabalho na teoria da arte, os seus estudos competentíssimos sobre Poussin ou Claude Lorrain?

Yeats responde, inequivocamente, separando a obra do homem. Não teremos que proceder assim em tantos casos? Devemos julgar a pintura de Caravaggio como a obra dum assassino (ainda que com todas as atenuantes históricas que é fácil trazer à colação)?

Steiner, ele próprio, confessa não ter uma resposta para a dificuldade.

Nada impedia Blunt de ser fiel, acima de tudo, à sua paixão erudita. Naturalmente, pensamos que um mau carácter afecta necessariamente a obra dum pensador e que os seus vícios não podem deixar de transparecer e diminuir o alcance da sua escrita. Mas é uma atutude ingénua. Havia suficientes motivos, alguns deles explanados no longo artigo do "New Yorker", para "compreender" a espécie de esquizofrenia de Blunt. Porém, o mais importante permanece, sem dúvida, a sua paixão exclusiva a que nunca faltaram energias, nem uma ética: a do rigor absoluto.

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