O Retábulo de Isenheim (Mathias Grünewald) |
"Que podem querer dizer essas ilusões consoladoras diante desta verdade, sempre igual a si mesma e que é preciso sempre ter presente no espírito? Todo o horror que está à nossa porta é antecipado aqui. O dedo de S. João, um dedo imenso, o indica: isto é, isto será de novo. E que significa o cordeiro nesta paisagem? Esse homem que apodrece na cruz será o Cordeiro? Cresceu ele, tornou-se ele homem a fim de ser crucificado, para ser chamado o Cordeiro?"
Elias Canetti ("Le Flambeau dans l'oreille")
O retábulo de Colmar confronta-nos então com uma estética que não seria a ciência do belo, a não ser através do aforismo shakespeareano de que o belo é horrível.
Ao mesmo tempo ocorre-me o paralelo com um filme que nos nossos dias provocou algum escândalo: o da Paixão segundo Mel Gibson.
Também aqui o artista nos representa a violência sem elipses ou subterfúgios, a fim de provocar em nós, justamente, a compaixão.
Mas ao contrário do filme, que nada nos transmite para além do espectáculo da violência e do sofrimento, a pintura de Grunewald nada perde do seu espírito religioso, mesmo se existe nela um rictus doutrinário: chocar para emendar.
É a qualidade intrínseca da obra e a aura da sua vetustidade que em absoluto predominam.
E depois por que haveria o homem crucificado de ter o aspecto atlético e apolíneo com que outros o representaram?
Grünewald antecipou a podridão para criar maior distância em relação à vida e para marcar uma humanidade real.
2 comentários:
E seria muito pedir-lhe que nos dissesse qual exactamente é esse aforismo shakespeareano,e, já agora,onde aparece? Muito obrigado.
Carlos M. Rocha
Witches:
"Fair is foul, and foul is fair,
Hover through the fog and filthy air."
Macbeth, Act I, Scene I
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