Um filme que podia ser a súmula antecipada da maneira de
fazer cinema de Godard é, sem dúvida, "Le gai savoir", realizado
ainda no rescaldo de Maio de 68.
Num estúdio de televisão reduzido a um fundo negro, dois
descendentes de Rousseau e da revolução maoista (Jean-Pierre Léaud e Juliet
Berto) travam um diálogo sincopado, feito de jogos de palavras que
"flashes" da banda desenhada ou de cenas de rua em Paris vêm
interromper.
Antes de César Monteiro e da sua "Branca de
Neve", o espectador fica muitas vezes sem qualquer imagem e é com bom
motivo que Vincent Canby, na "New York Times Review" comenta:
"Suspeito que quando Godard conseguir o seu filme mais revolucionário,
terá descoberto uma maneira de dispensar a câmara, o filme, o projector, o écrã
e, talvez, até a audiência."
Inicialmente o filme seria um projecto da ORTF sobre o
"Emílio" de Jean-Jacques e a sua teoria da educação. Perante o
resultado tão "pessoal" da atitude do cineasta, esse projecto acabou por ser mais
um filme de Godard, em que Rousseau é um mero pretexto.
Será que poderemos chamar a este estranho artefacto um
trabalho de "desconstrução" sobre a linguagem e o cinema? Mas o cinema não pode ser filosofia.
Falta à obra de Godard, não a coerência (ele repete a
mesma fórmula de filme para filme, assegurando um estilo, ou pelo menos, uma
marca distintiva), mas a capacidade de nos dizer alguma coisa para além do seu
formalismo de adolescente revoltado.
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