"A primeira estátua egípcia, foi, pois, uma múmia, curtida e petrificada em natrão. Mas as pirâmides e os corredores labirínticos não eram garantia suficiente contra a pilhagem. Outras formas de segurança foram por isso procuradas. Assim, próximo do sarcófago, ao lado do trigo destinado a alimentar o morto, os Egípcios colocavam estatuetas de terracota, como múmias de reposição que pudessem substituir os corpos se estes fossem destruídos. Assim se revela, a partir das suas origens religiosas, a função primordial da estatuária: salvar o ser pela aparência."
"Ontologia da imagem fotográfica" (André Bazin)
A mumificação é, portanto, a primeira tentativa, não de prolongar a vida do ser num Além transcendente (o trigo junto ao sarcófago não estava ali na sua função de alimento real), mas de o 'salvar' através de um simulacro.
Bazin, em 1957, não podia adivinhar o significado moderno, na gíria dos computadores e dos 'smartphones' , da palavra salvar. Mas o sentido que lhe atribuímos hoje, numa perspectiva, na aparência, o mais afastada de um contexto religioso, é o de guardar na memória artificial. Isto é, salvar da impermanência vertiginosa dos fluxos de dados.
É isto 'salvar pela aparência', conforme a definição do grande crítico de cinema?
Não podemos estar certos de que esta memória seja durável, mesmo com a terracota sobresselente. Embora a pirâmide seja a forma geométrica que mais se assemelha a uma ruína do tempo (Alain), o monte de pedra em que as mais orgulhosas construções humanas acabam, as pirâmides mesmas e todas as outras formas de arte são terraplanagem adiada. Sem contar com a ajuda de quaisquer talibãs.
A 'segurança' contra o tempo através das imagens está demasiado exposta ao nosso cinismo. É a entrada do espírito na clandestinidade que anuncia todas as pilhagens.
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