quarta-feira, 30 de março de 2016

A LUA SEM OUTRA FACE





"O nosso tempo não compreende entre os êxtases do sentimento senão o êxtase 'sentimental', e reduziu a embriaguês lunar a um desprezível excesso deste género. Não pressente que este êxtase, a menos que seja uma perturbação mental incompreensível, só pode ser um fragmento de uma outra vida!"
"O Homem Sem Qualidades" (Robert Musil)

Ulrich, o 'homem sem qualidades', critica a frivolidade 'burguesa' e o seu farisaísmo cultural. Claro que é um ponto de vista 'retrógrado', que o separa do seu meio. É como a prerrogativa de um tempo passado que o conserva numa identidade ameaçada.

As suas excelentes qualidades são inúteis para o futuro da Cacolândia. São parte de um impasse austro-húngaro que Musil não se cansa de tematizar.

O nosso Álvaro de Campos, engenheiro naval de profissão, é contemporâneo do autor austríaco, e escreve quase no mesmo estilo de Ulrich sobre a 'embriaguês lunar', mas não dando qualquer hipótese a uma 'outra vida'.

O célebre heterónimo, na linha de um Walt Whitman, é uma encarnação do espírito americano, prático, prático, prático.

Mas a ambivalência está em todo o lado. Não há povo mais ingénuo quanto ao 'êxtase sentimental' do que o americano: é só ouvir as suas canções de amor, de umas décadas atrás.

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