Nicolau Maquiavel |
"Ele é capaz de realizar muitas acções boas, mas quando as circunstâncias requerem um curso diferente, pode ser 'esplendidamente malvado'."
(Ernst Cassirer, referindo-se a Maquiavel)
Isto segue-se à declaração de que "O Príncipe" é apenas um livro técnico, não sendo nem moral, nem imoral.
Não é esse o juízo dos povos, evidentemente. Mesmo quando justificado por todas as razões técnicas do mundo, um governo que tenha a má sorte de ter de aplicar um cautério, quase sempre imprevisível a prazo, é 'maquiavélico' no mau sentido.
No nosso vocabulário político fazia falta um 'conceito' como esse. Que definisse um político como a personalização da antiga Necessidade, ou como uma encarnação da Lei ('dura lex, sed lex'). Um dos homens que mais se aproximou da ideia foi Churchill que explicitamente disse ao que vinha: 'sangue, suor e lágrimas', e que foi compreendido, pelo menos enquanto durou a guerra.
Como sabemos, a demagogia é o veneno próprio da democracia. Tem sido assim desde os Gregos. Quem contrariar esse vício junto do povo tem que ter o medo pela vida do seu lado. Mas a prova dos mortos é normalmente eloquente para se continuar o massacre. E lembremo-nos do discurso de Marco António sobre o cadáver de César, em Shakespeare, que a ingenuidade de Brutus permitiu. O que devia ser uma homenagem foi a quintessência da demagogia.
Quanto a mim, atrever-me-ia a dizer que, por muito espertos que alguns homens se julguem em relação a todos os outros, nenhum pode realmente antecipar o futuro e medir todas as consequências das suas acções. Pelo que o 'maquiavelismo técnico' é pouco mais do que uma ideia.
Há um eco dessa espécie de 'pureza técnica' no conto de Kafka, "A Colónia Penal". Na máquina que 'inscreve', automáticamente, na própria carne do culpado a sua sentença.
Não é esta aplicação instantânea da Lei, a demonstração perfeita daquela 'esplêndida malvadez'?
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