sábado, 17 de outubro de 2015

NO PRINCÍPIO ERA A CENSURA

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A censura iludia-nos a todos e a si própria com a força da palavra livre. Como se o sentido da oposição não estivesse dependente dessa anacrónica proibição de existir que o fascismo lhe continuava a impor. Foi a democracia que esvaziou as oposições e as levou a esse confronto implacável com a realidade duma política regida por outras leis.

Como os maus psicanalistas, julgávamos que o diagnóstico bastava para converter as multidões. Era não contar com a história vivida de cada “nevrótico” político. O que se convencionou chamar de fascismo não estava na relação da doença com o doente. O regime foi incorporado nos hábitos da nação como um processo total. Não foram só as ideias – e as ilusões – que ficaram impregnadas. Mas toda a linguagem, desde os sentimentos, às acções e aos gestos simbólicos.

A partir dum certo momento, passada a euforia ingénua, a verdade deixou de poder ser dita por toda a gente, ou melhor, deixou de ser universal. A vontade de esclarecer tornou-se partido, e para a maioria fonte de extrema complicação. O efeito paradoxal da liberdade foi o de absolver o reino da mentira e erigi-lo, pouco a pouco, em terra firme para os náufragos duma revolução palavrosa.

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