segunda-feira, 5 de outubro de 2015

ALEXANDRIA




"E nisto, estendeu a mão e colocou-a sobre a minha enquanto se ria franzindo o nariz; rindo-se com tanta candura, tão ligeiramente e sem esforço, que ali mesmo e naquele preciso momento, decidi amá-la."

"O Quarteto de Alexandria" (Lawrence Durrell)

A confissão é de Darcy, sobre Melissa, a flor nocturna dos cabarés de Alexandria. E o que se estranha nessas palavras é o pretérito do verbo 'decidir'.

Isso acontece porque destoa na imagem do amor. Há toda uma literatura que, depois, passou ao cinema, descrevendo o amor como paixão, amor que pode não chegar a revelar-se, por orgulho ou timidez, e em que a vontade só se exerce 'a posteriori', sobre a paixão 'espontânea'.

Na realidade, a paixão não é mais pura na sua origem do que a nossa percepção do mundo, ela própria é de segunda ou terceira mão e existe num contexto linguístico.

Os "Fragmentos de um Discurso Amoroso", talvez a obra mais popular de Roland Barthes, introduziu a personagem do 'sujeito amoroso', diferente do 'ego' por dever a sua existência a um mito e a uma linguagem que não se deixam capturar num sistema linguístico.

Darcy, o europeu fascinado pela cidade cosmopolita, a que atribui uma sexualidade incestuosa e ambígua, encarna esse fascínio na personagem de Justine (um dos nomes da tetralogia). Não é claro que consiga distinguir esse sentimento do amor romântico, ou, neste caso, exótico.

Mais uma razão para se 'decidir' por Melissa e 'jogar aos dados' com o amor.


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