"E nisto, estendeu a mão e colocou-a sobre a minha enquanto se ria franzindo o nariz; rindo-se com tanta candura, tão ligeiramente e sem esforço, que ali mesmo e naquele preciso momento, decidi amá-la."
"O Quarteto de Alexandria" (Lawrence Durrell)
A confissão é de Darcy, sobre Melissa, a flor nocturna dos cabarés de Alexandria. E o que se estranha nessas palavras é o pretérito do verbo 'decidir'.
Isso acontece porque destoa na imagem do amor. Há toda uma literatura que, depois, passou ao cinema, descrevendo o amor como paixão, amor que pode não chegar a revelar-se, por orgulho ou timidez, e em que a vontade só se exerce 'a posteriori', sobre a paixão 'espontânea'.
Na realidade, a paixão não é mais pura na sua origem do que a nossa percepção do mundo, ela própria é de segunda ou terceira mão e existe num contexto linguístico.
Os "Fragmentos de um Discurso Amoroso", talvez a obra mais popular de Roland Barthes, introduziu a personagem do 'sujeito amoroso', diferente do 'ego' por dever a sua existência a um mito e a uma linguagem que não se deixam capturar num sistema linguístico.
Darcy, o europeu fascinado pela cidade cosmopolita, a que atribui uma sexualidade incestuosa e ambígua, encarna esse fascínio na personagem de Justine (um dos nomes da tetralogia). Não é claro que consiga distinguir esse sentimento do amor romântico, ou, neste caso, exótico.
Mais uma razão para se 'decidir' por Melissa e 'jogar aos dados' com o amor.
0 comentários:
Enviar um comentário