terça-feira, 27 de outubro de 2015

MAPAS

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"O que é uma alma? É fácil definí-la negativamente: é muito exactamente aquilo que em nós se retrai quando ouvimos falar de séries algébricas."
"O Homem Sem Qualidades"  (Robert Musil)

Diz-se, justamente, de um político determinado, não embaraçado pela dúvida metódica, ou pela do comum dos mortais, que 'não tem estados de alma'. 'Sabe o que quer', 'que não vai por aí', nem discute certos nomes com maiúscula. Em defesa deste tipo de pessoas, é preciso conceder que são as mais admiradas, num ambiente demasiado complexo, sem âncoras na realidade, onde já não parece encontrar eco o grito do timoneiro da 'Mensagem'.

Os que fecham os olhos e tapam os ouvidos ao turbilhão do mundo para se verem a si próprios e escutarem apenas a sua própria voz dão-nos assim um simulacro de terra firme, e é por isso que são tão populares.

Mas que tipo de afinidade pode haver entre essa 'determinação' e esse simulacro dos homens sem 'estados de alma' e coisas como as 'séries algébricas' de que fala Musil?

O mundo da ciência é um mundo simplificado que funciona segundo as suas próprias leis. É fechado sobre si mesmo, perfeito tanto quanto pode ser, ou em vias de se tornar tal. Mas onde domina, o humano retrai-se. A ciência pode viver sem um fim à nossa medida. Pode estender-se para fora do sentido do nosso mundo sem ser controlável por ninguém nem nenhuma instância.

É o nosso maior monumento. Aquele que atrai os que buscam alguma espécie de certeza e de 'salvação'. O seu melhor argumento é o de que já não podemos viver sem ela e sem os que acreditam nela, na Ciência.

Tal como os 'homens sem estados de alma', a Ciência é auto-referente. Só se espera dos faróis que iluminem o mapa.

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