O documentário "Alvorada Vermelha" sobre o mercado macaense é um massacre sanguinolento de frangos e peixes que ficam, depois de cortados, a estrebuchar. O tom imperioso da montagem não deixa lugar para dúvidas: estamos nas entranhas da "Fábrica do Mundo" (alguma vez o português beliscou esta ordem 'alimentar'?).
O sapato do travesti deixado na rua, que faz a ligação com o filme intitulado "A última vez que vi Macau", conta uma história muito diferente da de Cinderela, uma história de insucesso e morte. O narrador vai-nos contando como, tendo vivido na cidade há muitos anos, regressou respondendo ao apelo 'duma amiga', Candy, o travesti que se meteu em sarilhos com a seita de Madame Lobo.
Os encontros falhados com Candy são o pretexto duma viagem onírica pelo passado macaense do narrador que a linfa duma selva mecânica invade no pulsar dos néons da contrafacção. A pseudo-Las Vegas tem a sua melhor expressão no travesti que imita Jane Russell em "Macao" de Sternberg.
Mas a submersão da Macau "dos" portugueses na religião dos animais da Grande China (o contraponto do mercado), só foi mantida em suspenso na memória do amigo de Candy. A actualização chinesa é pouco mais do que subjectiva. O que está ameaçado e prestes a sucumbir como Candy às mãos dos novos poderes, é a presença portuguesa que não chegou, temos de perceber, a ir além da epiderme.
João Pedro Rodrigues e João Rui Guerra da Mata dão-nos um filme fascinante que, receio bem, não tenha visto de entrada na "Cidade Proibida".
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