quinta-feira, 28 de março de 2013

CLÁSSICO E EXÓTICO

Páris e Helena de Tróia

"Uma passagem da 'Helena' de Eurípides (312 a.c.) condensa eficazmente qual era então a hierarquia de valores:'Terrível é a minha vida e o meu destino, por culpa (...) da minha beleza - diz Helena -, Oh pudesse eu tornar-me feia de repente como uma estátua, da qual tivessem desaparecido as cores!' Mas é uma hierarquia que estamos ainda longe de aceitar."
(Salvatore Settis in "Il Sole 24 Ore")

O articulista de 'Il Sole' levanta uma questão fascinante: o que fazer com a cor das estátuas e dos monumentos da Grécia clássica? Talvez fazer de conta que não é nada, como ele próprio sugere.

A todos os que descobriram primeiro o branco dessa escultura e de edifícios como o Parténon, parece que a cor, a garridez das cores primárias, significa um recuo incompreensível no gosto. É como se soubéssemos que a leitura dos diáligos platónicos era confiada a histriões obscenos (uma faceta do teatro grego de que Luís Miguel Cintra, nos deu, há uns tempos, um pequeno vislumbre).

Há evidentemente um 'raccord' a fazer com esse povo tagarela que parece ter inventado tudo. O clacissismo é demasiado nosso. Talvez projectássemos na arte grega a ética do cristianismo, como alguns padres da Igreja fizeram com Platão, tornando-o um discípulo do profetismo hebraico. Já no nosso tempo, Simone Weil descobriu no primeiro dos filósofos a grande inspiração do cristianismo.

A verdade é que a pintura das estátuas e dos frisos se adequa, por outro lado, a um meio que produziu a sofística como a arte de discutir tudo e de tudo pôr em causa. Um certo 'saber viver', em que alguns quererão ver frivolidade, uma paisagem e um clima propícios, a palavra 'alada' como dizia Homero, são sem dúvida traços pertinentes que dizem bem com a cor das estátuas.

Mas a arte 'sonhada', as obras que o tempo também assinou, decapando-as, dando a Helena o contra-modelo da fealdade, faz parte dum dos principais mitos europeus, o da Idade de Oiro da nossa civilização.

Por isso é tão difícil rever a história.

 

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