quarta-feira, 13 de março de 2013

PIRRA

Aquiles desmascarado


"Aquiles era chamado pelas suas amigas Pirra, a Loira, a loira-ruça."

(citado por Roberto Calasso)



Que o filho, Aquiles, vivesse disfarçado de mulher na corte de Licomedes, foi o estratagema concebido por Tétis para o livrar da guerra que lhe seria fatal, segundo a profecia. Falhou por causa dos reflexos condicionados do herói, que se desmascarou ao ouvir a trombeta de guerra.

O 'travesti', a obediência às ordens de uma mãe que aos olhos de hoje pareceria insuportavelmente protectora, não diminuem em nada a glória do guerreiro pelida.

O quê? o mesmo homem que se esconde 'debaixo das saias da mãe' e se presta a uma comédia sexual, com os costumados enganos e ciúmes, a 'loira', tão natural que ludibriou uma personagem tão astuta como Ulisses, é o 'portador' da mais célebre das cóleras que faz paralisar a investida dos Gregos e leva os próprios deuses a temer que o destino, a 'ultima ratio', seja posto em causa pela sua força descontrolada?

A 'mola' do herói é em duas ocasiões decisivas a rivalidade com o 'Rei dos reis', Agamemnon, e a paixão amorosa (pela escrava Briseida) ou a amizade, para nós ambígua, por Pátrocolo, morto por Heitor. Nenhum ideal político, nenhuma justiça, a não ser a da vingança.

As duas imagens não se ajustam. E bastava isso para a obra permanecer um enigma. Era Pirra, de facto, a verdadeira face de Aquiles? Ou a de um andrógino capaz de exponenciar as virtudes de ambos os sexos? É assim que melhor compreendemos a coragem do herói. Coragem, de coração, segundo o étimo, como dizia Alain.

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