"Não compete ao escravo ser fiel à sua cidade e aos seus mortos."
(Simone Weil)
Um povo de escravos nunca teria o sentimento de encontrar a pátria, como um tesouro caído por terra. Era assim que em 1940 Simone descrevia a situação da França, perante o invasor nazi.
Mas, então, não se tratava apenas de trocar de senhor. O escravo na sociedade romana, ou o negro na plantação americana, tinham uma função económica que era do interesse do 'pater familias' ou do fazendeiro salvaguardar. Por que se haveria de tratar pior o 'gado' humano do que os próprios animais, que só são úteis se forem alimentados e receberem cuidados na doença?
O próprio do regime totalitário moderno é que a economia é a menor das preocupações. Pode-se perseguir até à morte toda uma categoria de pessoas (e a categoria é o crime suficiente para quem a marcou com o ferro em brasa da lei, como em Kafka), independentemente dos custos sociais e económicos. Podem-se mesmo pôr em causa os resultados militares, porque essa perseguição, o extermínio do 'inimigo interno' é o objectivo mais importante. A tragédia dos judeus significa, aparentemente, o triunfo da política sobre o económico. Mas, de facto, o totalitarismo é a negação da política.
O escravo está também, por definição, fora da política. E, indo mais longe, como faz Simone Weil, fora da religião, pois que não tem que ser fiel aos mortos (os 'seus' mortos não são realmente seus). E isso corresponde à essência da religião.
O cristianismo, que nas próprias palavras da filósofa, foi a religião dos escravos, parece desmentir esta ideia. Não há porém catacumbas, nem zonas fora da vigilância do 'Big Brother' para a sociedade tecnocrática dos nossos dias, onde os dados se 'cruzam', e as pessoas deixaram de se cruzar.
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