"O triunfo de Baco" de Velasquez
Tenho diante de mim uma reprodução do "Triunfo de Baco" que se encontra no Prado.
Abstraio-me da escala que só por si estabelece uma outra relação com o corpo. Mas a cópia conserva ou não o essencial?
Aquele céu manchado e que é função dos tons castanhos e amarelos da roupagem e da pele (uma declinação em azul desse espaço, ao encontro do céu de verão, obrigaria a descompor todas as outras cores), o deus pálido e balofo, produto da ociosidade citadina, no meio daqueles rostos e mãos tisnadas de gente rude, como uma parábola da moderna alienação social, tudo está ali.
E também o tom de farsa desta magnífica pintura e que faz dela um objecto da constelação cervantina e a torna única e tão espanhola como o nosso Malhoa é português.
Aquele soldado a quem Baco coloca a corôa de louros, que talvez se ria à socapa, é Sancho Pança armado cavaleiro, por "nele ser bem empregue a ordem de cavalaria".
Os mendigos que formam a corte de testemunhas são cúmplices duma comédia, na qual só não se ri o deus, filho de Semele, porque é o único que com a verdade do vinho a todos engana.
Como a loucura das altas cavalarias do herói de Cervantes também esta comédia se encarna num mundo que já não é ficção e em que a embriaguês confunde todas as fronteiras.
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