terça-feira, 11 de setembro de 2012

ROXANNE SEDUZIDA






"(...) como quando Roxanne impunha a Christian (e, através dele, a Cyrano) desafios do tipo 'falai-me do amor'".

(Umberto Eco)



Christian é belo, mas não sabe falar do amor (ou de qualquer outra coisa). É Cyrano, com o rosto marcado pela fealdade, que possui o dom da palavra, como se em compensação.

O que pede a bela ao amante que não sabe falar dir-se-ia supérfluo: eles parecem ter tudo para se amarem.

Mas Roxanne é uma daquelas mulheres a quem Molière chamava de 'preciosas'. A linguagem é o que, aos seus olhos, faz aparecer o amor. E não é uma espécie do amor o que se alimenta da poesia do amor?

A verdade é que só ama as palavras do outro, do que se esconde, do ventríloquo 'au long nez'.

A perfeição que Roxanne exige de Christian encerra-o num 'ménage à trois' impossível. Julgando que a amada sabe que é outro que o inspira, procura a morte em combate.

Mas Cyrano não se revela, por fidelidade ao amigo morto. É só quinze anos depois, ele próprio moribundo, que Roxanne tudo adivinha e lhe declara o seu amor.

A peça, nesta reviravolta final, deixa-nos com um fantasma nos braços. Pode Roxanne ser sincera naquela declaração, depois de ter idolatrado Christian e com o desaparecimento deste ter renunciado ao "mundo"?

Poderão as palavras do amor e a sua poesia viver por si próprias, a ponto de sobreviverem às pessoas e ao equívoco mantido durante tantos anos em relação a elas?

E de que desafio fala Eco? Falar do amor (em vez de amar), como se o 'discurso amoroso' (Barthes) fosse a própria natureza deste amor que não é todo o amor. Como se a sedução estivesse na origem de tudo...

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