quinta-feira, 20 de setembro de 2012

OS ESOTÉRICOS




"Mas com o tempo, o seu deus adquiriu uma verdadeira mania legislativa e na actualidade o corpo jurídico constitui um imbróglio tão inextricável e minucioso que é impossível não incorrer em falta continuamente."

("A assombrosa viagem de Pomponio Flato" de Eduardo Mendoza)


Cada malha acrescentada à rede nos tolhe mais os movimentos porque a ideia de tudo regular cria um mundo artificialmente fechado, em nome da segurança (ou dum saber de previsão).

Kafka foi o profeta desse mundo. A personagem de K, no "Processo" está à partida condenada pelo labirinto das leis. Nas mãos dos 'intérpretes', de advogados como Hastler, resta-lhe seguir as práticas consagradas e os conselhos dessa burocracia para para obter o adiamento da pena, na esperança vã dum 'esclarecimento'.

A sociedade descrita no romance  foi devorada pelo poder. A inextricabilidade legal que justifica a existência duma casta de intérpretes autorizados define um sistema de poder aparentado à teocracia do Antigo Egipto, sendo os sacerdotes os guardiãos (e beneficiários, em termos de poder) da doutrina esotérica.

O verdadeiro poder não se funda numa função ( a da segurança, por exemplo), mas num alegado saber que só a especialização (nas coisas de Céu, por exemplo) e a consagração permitem alcançar.

Mesmo o mais poderoso dos 'caudillos' invoca Deus e a sua missão.

É claro que nos tempos que correm a parábola que merecia um novo Kafka não trataria de advogados, mas de economistas, que são os herdeiros, longínquos embora, do esoterismo egípcio.



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