"Tales dizia também, segundo Cícero, que tudo está cheio de deuses. Este geómetra não falava, certamente, ao acaso, devemos crer. Talvez que, observando a força destas diversas aparências da água, tão poderosas sobre os sentidos, quisesse relacionar o politeísmo abstracto com o fetichismo da natureza, tão durável quanto o espírito."
"Abrégé pour les aveugles" (Alain)
Diz o filósofo que todo o homem contemplando o mar, abstraído de tudo o resto, encontrará o mundo primitivo, informe mas, em breve, povoado de deuses - porque eles são já um esboço de ordem. Proteu, nas suas diversas aparências, movediço como as ondas do oceano, é já objecto do pensamento. E é isso o que quer dizer o 'fetichismo da natureza'.
Ver nessa infância do espírito mais do que superstição e medo de 'perder o pé' num meio inóspito para qualquer abstracção não pode ser senão um acto de fé.
Alain lembra que Tales era geómetra, tendo medido a altura da pirâmide do deserto pela sua sombra, como reza a lenda. Pois é esse mesmo pensador da triângulação que nos diz que o mundo está cheio de deuses. Não, decerto, no espírito científico moderno que veria nessa afirmação a ambição de livrar a nossa visão de uma superstição, mas, é de supor, com a convicção de que por detrás de todas as aparências há algo de misterioso e sobrehumano que importa 'considerar', como se de um astro inacessível se tratasse.
Em que é que esse espírito 'religioso' é desfeito, como se desfazem as nuvens, pela geometria e pelo nosso empreendimento técnico é coisa que o filósofo de Mileto não poderia, na verdade, conceber.
Mas faz todo o sentido incluir a geometria e a lógica no conhecimento da nossa razão, ou 'logos', para os Gregos. Algo que, 'por ínvios caminhos', se encontra em harmonia com o mundo exterior como se as ideias platónicas ou as 'ideias inatas' de Descartes tivessem algum fundo de verdade...
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