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"As teorias cosmológicas levam-nos necessariamente à Grécia, pois parece ter sido na Grécia que, pela primeira vez na história, surgiu a oposição do homem ao cosmos, que redundou na desumanização deste último. Certamente, ela nunca terá sido completa e, nas suas grandes metafísicas, como as de Platão ou de Aristóteles, e até na própria noção do cosmos, estaremos em presença de ideias de perfeição, de ordem e de harmonia que o penetram, ou da noção platónica do reino da proporção, tanto no cósmico quanto no social e no humano, isto é, em presença das concepções unitárias. Mas, em todo o caso, é aí que me parece ter nascido o estudo dos fenómenos cósmicos como tais."
"Etapas da Cosmologia Científica" (Alexandre Koyré)
Procurar a 'recôndita harmonia' por detrás da desordenada aparência é um impulso que não se reduz à racionalidade, nem ao que hoje poderíamos chamar de espírito científico. É uma 'apropriação' do terrível, uma das modalidades do sublime kantiano. A noite estrelada amedronta o homem sem ideias cosmológicas. Interroga-o com toda a violência. E foi, talvez, o princípio da dimensão religiosa. Primeiro, foi preciso resolver a questão da segurança. Antes da paz e da 'economia', como diz Chartier.
Koyré fala, na sua apresentação, de um momento em que o homem grego se separa do cosmos e cria uma oposição nada natural, mas necessária. Só assim pudemos estudar o Céu, como um objecto igual aos outros, 'submetê-lo' à nossa razão e, com isso, dominar o medo.
Os deuses vão ficando para trás como um dos andares de uma nave espacial que nos leva para esse outro nós desconhecido. É ainda uma manifestação do amor dos Gregos pela forma circular. A mesma que 'estruturou' aquilo a que damos o nome de universo.
"Assim, encontramos em Platão uma fórmula muito clara das exigências e dos pressupostos da astronomia teórica: reduzir os movimentos dos planetas a movimentos regulares e circulares. Programa que é aproximadamente executado por seu discípulo Eudoxo e aperfeiçoado por Calipo. Com efeito, eles substituem o movimento irregular dos astros errantes por movimentos bem ordenados de esferas concêntricas, isto é, encaixadas umas nas outras. Zombou-se muito - actualmente, menos - desse apego helénico à forma circular, desse desejo de fazer, de todos os movimentos celestes, movimentos circulares. Quanto a mim, não acho que isso seja ridículo ou estúpido. O movimento de rotação é um tipo próprio e notável de movimento, o único que, num mundo finito, continua eternamente sem alteração, e era justamente isso que procuravam os gregos: algo que pudesse continuar a reproduzir-se eternamente. O 'eternismo' dos gregos é algo inteiramente característico da sua mentalidade científica." (idem)
Se nos lembrarmos da grande frustração de Einstein (a teoria unificada do Cosmos), reconheceremos nele um legítimo herdeiro do helenismo científico.
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