"O estudo da mão fria (*) mostrou que não podemos confiar plenamente em que as nossas preferências reflitam os nossos interesses, ainda que sejam baseadas na experiência pessoal e ainda que a recordação dessa experiência tenha sido obtida no último quarto de hora! Os gostos e as decisões são moldados pelas recordações e as recordações podem ser erradas. A evidência apresenta um profundo desafio à ideia de que os seres humanos têm preferências consistentes e que sabem como maximizá-las, uma pedra angular do modelo do agente racional."
"Pensar, Depressa e Devagar" (Daniel Kahneman)
Constatações como esta minam a ideia do sujeito racional, com implicações em quase todos os domínios, e, a começar, na ideia da vontade política 'expressa pelo voto'. Por outro lado, favorece a velha misantropia dos tiranos que acham que o povo deve ser protegido de si mesmo.
É uma ideia tão antiga quanto o 'mito da caverna'. Só os que subiram à superfície e viram o verdadeiro sol podem, depois dessa experiência, regressar à caverna para reencaminhar os seus compaheiros.
Em que sentido, pois, podemos interpretar a 'vontade' de um eleitorado? Isto claro que vai mais longe do que a crítica pseudo-marxista ao 'voto de quatro em quatro anos', como se o voto instantâneo oferecesse qualquer garantia de racionalidade do ponto de vista dos interesses individuais ou de 'classe'. Podemos ter uma ideia de como a coisa funcionaria com o exemplo do Twitter e das outras redes sociais.
É por tal razão que a democracia é muito parecida com o melhor (ou o menos mau) consenso, não racional, no sentido próprio, sobre o 'contrato social'. O que corresponde a uma redução drástica da sua ambição de representar a vontade livre dos cidadãos.
Ao mesmo tempo, essa focagem permite compreender outras espécies de consenso historicamente tão legítimas quanto o consenso democrático. O Grande Animal, metáfora do aristocrático Platão, aplicada ao 'povo' volta a estar na ordem do dia depois de alguns resultados eleitorais recentes.
(*) "(...) a maior parte das pessoas prefere repetir uma experiência em que sofreu durante mais tempo, mas na qual o sofrimento se foi atenuando, à hipótese de voltar a passar por uma experiência curta mas em que o nível de sofrimento foi constante."
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