(Karl Kraus) |
"Kraus afirmaria em 1909, em termos ao tempo inteiramente fantásticos (e hoje insuportáveis), que o progresso do tipo científico-tecnológico faria "carteiras de pele humana".
(George Steiner)
O grande satirista apenas antecipou de trinta anos a produção de sabão 'made-of-man' dos campos de extermínio. A ciência moderna e sobretudo as suas aplicações práticas podem então 'ter um fim' independente da ideia e da motivação original (sem que seja preciso equacionar uma vontade e uma consciência), a ponto de convocar o 'horror', como em "Apocalypse Now"?
A história deveria servir-nos para, pelo menos, identificar um 'ponto de viragem' na religião, na arte, ou, enfim, naquilo a que chamamos o progresso científico, em que começamos a explorar com mais profundidade e capacidade de análise as possibilidades lógicas e 'imaginativas', racionais e não-racionais do mundo da Criação. Porquê este elo religioso? Porque sem ele, sem a pressuposição de um sentido humano, por interposta figura, por detrás do nosso mundo, nem sequer poderíamos procurar as leis dos primeiros sistemas. Essa é, então uma necessidade humana, talvez, 'demasiado humana'.
Esse 'ponto de viragem', contudo, só pode ser fixado arbitráriamente. Se acreditarmos nele, surge um novo paradigma, em que Deus se esconde por detrás da nuvem da Razão ou simplesmente do Homem.
Ora, a modernidade está em vias de substituir esse paradigma pelo da inovação e da transformação permanente, por uma espécie de trotskismo da ideia da ciência. A 'revolução permanente', no fundador do exército vermelho, era, sobretudo, uma táctica anti-burocrática e anti-staliniana para salvar a pureza dos princípios.
Algumas estrelas da ciência moderna, e a de Einstein é a mais fulgurante, permitem-nos entreter o mito de que existe um destino humano da ciência e da tecnologia por que velam alguns homens providenciais, génios saídos como Minerva da coxa de Júpiter.
Entretanto, as carteiras de que falava Karl Kraus existiram e continuam a existir, porque o humano deixou de ser 'o' valor do nosso sistema. Prestamos culto aos deuses inferiores com a indispensável vénia protocolar aos princípipios que apostatámos.
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