("A Laranja Mecânica" |
"Soljenitsyne adiantou mesmo a hipótese de que a Gestapo torturava para obter 'factos', enquanto a polícia secreta russa torturava para produzir testemunhos falsos."
(George Steiner)
Esta diferença não é, evidentemente, a que existe entre a verdade e a mentira. Não há verdade num lado e mentira no outro. E talvez não haja melhor exemplo de que a verdade não é o mesmo que um acordo da consciência com os factos e, muito menos, a verdade se confunde com a exactitude.
Todos os 'factos' estabelecidos (ainda que provisoriamente) pela ciência pertencem à exactitude e não à verdade. Basta pensar que num mundo sem gente deixam de existir factos. E embora pareça que eles permaneçam iguais a si mesmos e não sejam afectados pelo facto de pensarmos neles, como é o caso do 'facto consumado', isso não corresponde à realidade.
A Gestapo era polícia, juiz e carrasco ao mesmo tempo. Como as suas vítimas tinham sido previamente destituídas da sua humanidade pela ideologia e pelo assalto do Estado à sua dignidade, não precisavam de um verdadeiro trubunal nem de respeitar qualquer princípio. Tratava-se apenas de engenharia num ambiente burocrático. Como 'técnicos', os factos interessavam-lhes, como as peças ajustadas de um máquina importam ao seu funcionamento.
Ao contrário da ideologia primária dos slogans nazis, o Estado soviético tinha uma filosofia e, nos primeiros tempos, uma utopia que entusiasmou inúmeros homens de 'boa vontade'. A consolidação do poder fez-se contra esses ideais, mas obrigando-se a elite burocrática e o seu chefe a manter a ficção de que nada tinha mudado. Para isso, os factos estorvam (até as fotografias oficiais e o testamento do líder supremo).
Querem-se actores que soletrem outros slogans e 'vivam' nas paradas o antigo entusiasmo. O falso testemunho dos revolucionários da primeira hora, dos mais sinceros que teimavam em atrasar a marcha do rolo compressor era precioso. A polícia tinha de os convencer a bem ou a mal. E alguns colaboraram para 'não desesperar as massas'.
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