A Arca de Noé
"Por meio do mito da queda compreender-se-á que o mal não é o simétrico do bem, a maldade o substituto da bondade do homem, mas o murchar, o obscurecer, o "tornar feio" duma inocência, duma luz e duma bondade que permanecem. Por mais radical que seja o mal, não poderia ser tão originário como a bondade."
"La Symbolique du Mal" (Paul Ricoeur)
Esta ideia dum mal que não é retribuição da nossa culpa, que pode ser desencadeado por mim, mas apesar de mim, com a minha inadvertência, a minha ignorância - e conhecer a proibição não implica conhecer tudo das consequências, cedendo a uma força, a uma sedução, a algo que já existe desde a "origem", que não é o reverso do bem, porque é a contingência que escapa à totalidade é, segundo Ricoeur, a essência do trágico.
"(...) a tragédia evidencia o carácter constitutivamente aporético do mal ao mesmo tempo que desoculta a incomensurabilidade entre a vocação expressiva da linguagem e a intencionalidade ontológica que a habita."
("O mal como escândalo: Pierre Ricoeur e a dimensão trágica da existência" de Fernanda Henriques)
Na medida em que não podemos ter sucesso na racionalização do mundo que não fizemos, a tragédia é o símbolo da infinidade que sempre ficará de fora.
E, assim, poderíamos compreender o mal não ético como o princípio daquilo que nos confronta e que temos de "compreender" para não sermos submergidos por um absurdo exterior.
0 comentários:
Enviar um comentário