"- Aí tens tu, o fonógrafo!... Só o fonógrafo, Zé Fernandes, me faz verdadeiramente sentir a minha superioridade de ser pensante e me separa do bicho."
"A cidade e as Serras" (Eça de Queiroz)
O pai de Svetlana Aleksievitch ('O Fim do Homem Soviético') recordava que "pessoalmente passou a acreditar no comunismo depois do voo de Gagarin."
Quantas pessoas 'passam a acreditar' numa coisa quando foi outra, muito diferente, que se tornou mais credível? Por esta lógica, a conquista de um título desportivo tem mais possibilidades de reforçar um regime do que a sua propaganda. Não é que os êxitos em qualquer domínio, durante a Guerra Fria, não fossem objecto de propaganda. Por parte da URSS, para demonstrar uma pretensa superioridade moral ou científica; a proeza de Gagarin não foi excepção. Os Americanos, pelo seu lado, faziam outrotanto para engrandecer o seu prestígio de grande potência, mesmo tentando ocultar os paradoxos da sua democracia.
A lição que se tira deste comportamento e desta estratégia 'imperial' é que 'levar a água ao seu moinho' se torna mais eficaz, a partir de uma certa posição, do que brandir princípios ou disputar o território da 'verdade'.
O pai de Svetlana, de facto, cedeu à demonstração ideológica da superioridade soviética (era ainda a convicção de Krushov, que esperava ultrapassar os EUA numa década), baseada no inesperado sucesso do primeiro ímpeto da corrida espacial. Este sucesso não era apenas científico, nem apenas técnico. Era místico-político, como era natural que fosse num país que acordava do sono mujique para o estrondo do Sputnik.
Sugerindo um curioso paralelo, 'Dr. Strangelove' de Kubrick mostra-nos um 'cowboy-kamikaze' a montar um míssil nuclear.
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