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"Então Alguém apareceu que lutou com ele até ao despontar da aurora. Vendo que não o conseguia vencer, atingiu-o na articulação da anca e a perna de Jacob paralisou-se durante a luta. E Ele disse a Jacob: "Larga-me, pois já nasce a madrugada." Mas Jacob respondeu-lhe: "Não te largarei enquanto não me tiveres abençoado!" Perguntou-lhe o Outro. "Qual é o teu nome?", "Jacob", respondeu ele. E disse o Outro: "Não mais te chamarás Jacob, mas Israel, porque foste forte contra Deus e vencerás todos os homens."
(João Bénard da Costa, sobre o episódio bíblico da luta de Jacob com o Anjo)
A estranheza da cena já foi motivo de inúmeras glosas. A beleza literária alia-se aos recursos inesgotáveis do conto e da alegoria. Como assinala Frederico Lourenço no seu recente comentário sobre a Bíblia em grego, o Anjo poderia ser, com mais lógica, o próprio Satã, ou uma das suas metamorfoses. Afinal por que lutaria Deus com o 'escolhido', numa prova física absurda?
Parece que o Anjo queria vencer, de facto, o seu antagonista, mas segundo as regras de uma espécie de 'gentlemanship' que não chegava a conclusão nenhuma. Daí que se tenha aplicado, descendo na proporção adequada o nível dos seus golpes. E atingiu o nervo ciático do futuro fundador de Israel.
Tanto protocolo não teria embaraçado o 'Anjo Caído' e Jacob seria vencido em três tempos. A história, porém, não teria interesse nenhum. A superioridade da força não tem mistério.
Assim, o Anjo que aparece (que podia ser o próprio Jeová) mantém a ilusão de um equilíbrio de forças com Jacob 'até de madrugada' ( altura de Cinderela correr para a carruagem-abóbora e perder um dos sapatos de cristal). Depois passa rapidamente às cláusulas finais e paralisa o patriarca com uma joelhada portentosa.
Tal desfecho permite-lhe distinguir Jacob. Não venceu (porque isso seria impossível), mas foi 'forte contra Deus'.
Não admira que os paradoxos deste verdadeiro poema tivessem inspirado tantos artistas.
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