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"Demência do século XX: os espíritos mais diferentes confundem o gosto do absoluto e o gosto da lógica. Parain e Aragon.(*)"
Albert Camus ("Carnets")
Talvez esse 'gosto da lógica' se exprima melhor, em política, na defesa a todo o custo da 'coerência'. Apesar das coisas humanas serem em geral precárias e instáveis, e a sociedade não poder nunca vir a corresponder aos critérios do objecto científico exigidos (até ao século passado) pela Física, os nossos actos e as nossas palavras devem ser, em qualquer amplitude do tempo, 'iguais a si próprios', coerentes.
Diga-se, desde já, que essa ideia nos honra, grandemente. Mas todos compreendem que o critério para avaliar a coerência, sobretudo em períodos socialmente acelerados, só pode ser lógico e linearmente puro para os tolos, ou os fanáticos. O fanático, na verdade, tenta em vão impor ao mundo a sua loucura. Mas é na realidade um incondicional da lógica mais primária, que é a lógica do autismo, do indivíduo ou do grupo.
A verdade é que existem expressões para condenar o 'incoerente'. Um caso conhecido é o 'irrevogável' de Paulo Portas. Troca-tintas, catavento, vira-casaca, etc. Epítetos a que um celebrado 'animal da política' respondeu 'que só os burros não mudam'. O juízo popular, não há dúvida, condena 'l'uomo mobile', sem palavra.
As opiniões deviam reflectir a mudança de facto, parece-me. Claro que, para quem acredita em leis históricas, a coerência dos 'princípios' parece estar acima da confusão da política. As mais visíveis contradições são desvalorizadas ao nível mais flexível da táctica. Esses observam de um poleiro suficientemente alto a sua própria incoerência.
Porém, sem fé e sem palavra a sociedade nem sequer seria possível. É assim que trazemos ao mundo alguma permanência. Por isso tem razão a voz popular. O problema vem da política exigir palavra a homens que não a podem dar.
(*)Brice Parain (1897/1971): filósofo e ensaísta, amigo de Camus; Aragon (1897/1982): poeta e romancista. O primeiro, tendo "renegado" o comunismo depois de uma visita à URSS; o segundo, apesar da sua crítica ao stalinismo, manteve-se fiel ao partido até à morte."
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