terça-feira, 2 de setembro de 2014

A PORÇÃO



"O amor é horrivelmente estável, e a cada um de nós está destinada só uma certa porção, uma ração. É capaz de aparecer numa infinidade de formas e ligar-se a uma infinidade de pessoas. Mas está limitado em quantidade, pode gastar-se, tornar-se surrado e desbotado antes de alcançar o seu verdadeiro objecto. Porque o seu destino reside algures nas mais profundas regiões da psique onde se reconhecerá como tendo vida própria, na sorte de terreno em que nós construímos a espécie de saúde do espírito. Não digo egoísmo ou narcisismo."

"O Quarteto de Alexandria" (Lawrence Durrell)

Clea, a pintora no exílio alexandrino, revela o seu segredo a Darley, o narrador do "Quarteto". Ela lança-nos o desafio de distinguir o princípio que vive de si próprio, o amor, afinal impessoal, 'distribuído' aos humanos, numa certa porção, do ego, centro do mundo que é, o mais possível, pessoal.

Será que somos dados a cair na ilusão oposta, a de que o amor nos pertence, como a fisionomia ou os outros traços físicos (e, afinal, psíquicos, também)?

Esta ideia do amor parece vir directamente, através dos tempos mais sinuosos, do Bem platónico, sábio percursor do amor cristão. Simone Weil vai ao encontro deste pensamento ao considerar que o sagrado no homem não é a pessoa.

E só chocará a introdução da 'quantidade' no problema metafísico, se se esquecerem as origens religiosas da própria ciência...





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