" - Não achava bela essa mulher?
- Primeiro que tudo, não era uma mulher, mas a filha dos Engrácios de Azurara. Merecia um sarcófago na igreja e dois galgos aos pés, como as rainhas. Se eu a achasse bela como dizes, estava a mostrar-me pretendente ou pior ainda. Ela tinha a figura da noiva de Rolando, sem seios quase e sem ventre. Além do mais, parecia-se com a mãe."
"Ordens Menores" de Agustina Bessa-Luís)
Não se julgue que esta incapacidade de Natan para apreciar a beleza da filha dos Engrácios, "vestindo-a" dos pesados trajes sociais e integrando a sua figura numa história que a ultrapassa individualmente em que o seu antevisto sarcófago é apenas uma paragem, não se julgue, dizia eu, que ao comum dos homens alguma mulher aparece como a estátua abraçada a Eça no Largo do Barão de Quintela.
Os estereótipos culturais actuam como verdadeiras lentes deformantes que nos impedem de ver a "nudez". Lembro-me sempre daquele écrã que um antropólogo conhecido iluminou pela primeira vez numa aldeia primitiva. A acção da fita para a tribo passava-se num canto inferior da tela em que se viam algumas galinhas a fugir. Simplesmente, não estavam educados para compreender a nossa hierarquia de sinais mesmo na escrita mais simples de cinema.
O que chama a atenção naquele diálogo é, para mim, que Natan, o professor e luminária intelectual do seu meio provinciano, se refira a uma suposta equivalência entre uma opinião transmitida a um discípulo (Luís Matias) sobre a beleza de Frazina e uma declaração de interesse matrimonial, ou simplesmente amoroso. O tema de Sócrates e Alcibíadas tinha de vir à colação, como veio em Agustina.
Natan é tido por sage, isto é, por amante da verdadeira beleza, a platónico-socrática. A beleza da fidalga é uma aparência fugidia (ele insiste, desnecessariamente, nos seus defeitos físicos). Louvar a sua beleza seria, enfim, ceder a Alcibíades.
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