O actor espera-nos já sentado na penumbra, tendo por detrás um rectângulo iluminado no chão, como uma janela ou uma porta fora do lugar. As palavras começam pelo trilho que pode ter muitos sentidos, a exemplo da escrita. Mais três personagens são ocasião de uma espécie de diálogo que não é mais do que a explicação de se encontrarem ali, junto do guia cego. Cego como Homero. Depois as luzes apagam-se e a viagem começa. Uma viagem que podia ser a da morte, mas que suspeitamos que seja a da 'verdadeira vida', segundo o crente (era Mário de Sacramento que dizia que "diante do bezerro de oiro, somos todos crentes").
A encenação fez o que pôde da incursão teatral do poeta ("um dos três grandes poetas portugueses revelados depois do 25 de Abril", na opinião de Bénard da Costa). O resultado deixa-nos à míngua de poesia ( uma ou outra claridade distante como: "o trilho já te escolheu"), e não é de estranhar.
O público do teatro não é um sujeito, como o leitor silencioso da poesia. No teatro há um jogo de personagens (mesmo os "dois em um" do monólogo de Hamlet) e a palavra é definitiva. É pela palavra que a acção se decide. "Que palavras saltaram a barreira dos teus dentes?", lê-se na "Ilíada". E, dada a sua origem religiosa, no teatro há certamente rito. A convenção de dar a ouvir o pensamento, por exemplo. Pode-se evocar a guerra, no exterior do palco, com o tilintar das espadas, mas o acto deve ser "pré-dito".
"O estado do bosque" certamente que muda durante a peça segundo as palavras ditas. Luís Miguel Cintra não nos podia desiludir no essencial. O desfecho continua "aberto" a múltiplos sentidos. É só a memória da poesia que "estraga a festa". O "estado" do bosque, como o "estado" da nação, além disso, insinua uma avaliação que aqui é interrompida pela viagem nocturna. Depois do "Pater" niilista do centro da peça, essa interrupção só pode ser um sinal de esperança, contra o "estado" do bosque.
1 comentários:
O "Pater" impressionou-me, chocou-me e comoveu-me.
Ruminei-o durante dias.
Maria Helena
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