No último filme de Nanni Moretti ("Habemus Papam"), vemos um papa, que acaba de ser eleito num muito agitado conclave, presa das dúvidas de um contemporâneo, a ponto de encerrar os cardeais com um psicanalista, e a quem a fé não chega para a imolação que lhe é exigida, nem para se sentir à altura das gigantescas responsabilidades que terá de assumir.
A surpresa desta resignação de Bento XVI, a primeira desde o século XV, não pode deixar de chocar a comunidade dos fiéis, como o caso do capitão que abandona o seu navio no perigo, ou o soldado, o seu posto na 'trincheira'.
O lugar exige, talvez, mais do que é humanamente possível, mas a sucessão de pontífices ao longo dos séculos parece provar o contrário. A menos que todos eles mais ou menos se tenham conformado com as suas limitações crescentes (com o peso da idade) e tenham confiado a direcção da Igreja à Providência. Ora, porventura estará aí a diferença entre um intelectual reconhecido e assumido como Bento XVI e todos os seus antecessores. Este papa não tem o 'carisma' de João Paulo II, mas tem uma ideia (mais actualizada?) sobre o papel dum sumo-sacerdote e o papel da Igreja.
Se, como diz hoje o 'Público', há um enigma nesta renúncia que o tempo há-de esclarecer, e que o Papa se sentiria impotente para varrer os 'vendilhões do templo' da própria Cúria romana, este gesto contra a tradição é uma 'pedrada no charco', pois poderá criar as condições para as reformas que ele, Bento XVI, julga inadiáveis.
Não obstante a decepção que inevitavelmente causará entre os fiéis, pois muitos terão sempre a sensação de que é por fraqueza que renuncia, como a do velho actor no filme de Oliveira "Vou para casa" (2001), a verdade é que, no caso de um sentimento de impotência associado ao rigor e à lucidez (pelo que teremos de esperar por um melhor esclarecimento da situação), é sobretudo de coragem que temos de falar. Este papa não confia muito na Providência para resolver os problemas da Igreja de hoje.
Neste caso, não assistiremos à morte de mais um papa, nem à martiriologia de um João Paulo II, que, no seu anacronismo, talvez não tenha servido a Igreja, tanto como se pensa.
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