terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

CORRECÇÃO




"Por onde um Wittgenstein passou, a erva da tolice e da vaidade verbosa não se devia permitir que crescesse."

(George Steiner, prefácio a 'Korrektur' de Thomas Bernhard)


Esta crónica dum tempo depois da morte de Roithamer (personagem inspirada no filósofo) pelo seu testamentário é, talvez, a obra-prima de Bernhard (Steiner dixit).

A prosa do escritor, como sempre, é feita de "um movimento de maré, endoidecedor, de recursividade rangente, com os seus eufemismos sarcásticos, a sua economia reduzida ao branco do osso, utilizado para mais fundo propósito." (Ibidem)

Este texto representa o equilíbrio, referido pelo comentador, de tendências que noutras obras chegam a ser exasperantes, em que o ódio à pátria e à cultura dominante são igualmente obsessivos, mas quase nada deixam para além dele ( o 'furor Bernhardiensis' referido pela edição de 2003 da Vintage)

A paixão de Roithamer radica na separação da família e do país. É contra eles que a pureza do seu mundo se constrói, a lembrar o "abandona pai e mãe, e segue-me" do evangelho.

A função obsessiva da repetição na novela é a de uma 'correcção' maníaca, porque infinita. Corrige-se o já corrigido, até ficar o branco do papel. Que sorte para nós que Da Vinci que sempre levou consigo o seu mais famoso quadro, por nunca o ter considerado acabado (perfeito), tivesse conseguido dominar essa tendência!

A casa que Wittengenstein quis construir em Viena para a irmã (o tema do incesto irmão-irmã é ubíquo no escritor, segundo Steiner), "uma casa duma austeridade e claridade de linhas sem compromissos" (GS) é na ficção de Bernhard representada por um Cone, no meio da floresta de Kobernauss, na Caríntia. Um cone 'revolucionário' que, de facto se tornou no túmulo da sua destinatária.

Roithamer suicida-se pouco depois na mesma floresta. Quanto a Wittengenstein, embora dois dos seus irmãos se tenham suicidado e ele próprio se tenha sentido algumas vezes disposto a pôr fim à vida, morreu de cancro, em 1951, em Cambridge, sem se 'corrigir' como Kafka, outro obsessivo da pureza.

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