quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

CALCÁRIO

Fiama Hasse Pais Brandão



"Só o chá me traz a minha tarde,/ com a chávena e a minha mão que são/ o mesmo pedaço de calcário."

(Fiama Hasse Pais Brandão, "Canto da chávena de chá")


O despojamento precisa de ser salvo do naufrágio, quando nenhum objecto é terra firme.

Há uns anos, Alçada Baptista contou uma história sobre Gandhi. Tinha-se partido o espelho com que fazia a barba. Logo ali, o Mahatma viu uma oportunidade para pôr em prática a sua doutrina, e decidiu que, a partir daquele dia, seria livre de mais uma coisa. Faria a barba sem espelho.

Mas as pessoas comuns precisam do 'calcário' para lhes 'trazer a tarde'. O nosso mundo é feito de pessoas e objectos que nos prendem ao passado e que nos ensinam uma espécie de coerência. Os torcionários bem sabem o poder destrutivo duma cela vazia.

No outro extremo, deixamo-nos 'mobilar' por eles, os objectos. Fazemos parte do seu 'design'. É conhecido como o poder difuso das ideias nos governa através do 'sistema dos objectos' (Baudrillard).

Mas deve ser possível, mesmo à má consciência consumistíca moderna, fazer a paz com o 'calcário', irmão dos nossos ossos.

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