O conde de Leinsdorff, representante do poder máximo na
auto-designada 'Acção Paralela', concebe a ideia dum inquérito "tendo em
vista estabelecer os 'desiderata' dos diferentes círculos da população em
relação à reforma da administração" (Musil)
Há cada vez menos, no poder, ingénuos desta natureza, mas
devemos lembrar que Leinsdorff era um nobre e, nele, qualquer profissão de fé democrática só podia
significar o idealismo mais inconsequente.
Qual poderia ser o resultado duma sondagem pelos
'diferentes círculos' sobre, por exemplo, os 'desiderata' em relação à presente
situação de Portugal? Não seriam de esperar nem uma 'reviravolta', nem uma
confirmação das políticas que têm vigorado até agora. Compreende-se, naturalmente,
que o governo interpretaria a 'sentença popular' conforme lhe conviesse, apesar
de, com isso, iludir apenas os néscios.
As semelhanças do inquérito de Leinsdorff com as eleições
do 'povo soberano' são muitas. Os desejos não podem ser conciliados e, de
resto, não resolvem nenhum problema. E os problemas que merecem a atenção das
'forças vivas' do regime são os da sua própria perpetuação, como diz o Rui
Tavares no seu artigo "A refundação democrática":
"Há um princípio chamado de Clay Shirky, do nome de
um autor de livros sobre cultura e tecnologia, segundo o qual 'as
instituições procuram preservar o problema para o qual deveriam ser a
solução'. A razão é muito simples: caso resolvesse o problema para o qual
foi criada, a instituição X perderia a sua razão de existir; em consequência,
no conflito entre resolver o problema e assegurar a sua própria manutenção, a
instituição tende - a menos que seja forçada por outra via - para a segunda
opção." ('Público' de 1/8/2012)
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