Eça de Queirós |
“(...) que a posse duma dupla personalidade intelectual desde há muito tempo que não é uma façanha reservada aos loucos, mas que, no ritmo actual, a possibilidade duma volta de horizonte político, a capacidade de escrever um artigo no jornal, a força para acreditar nas novas direcções da arte e da literatura, e muitas outras coisas ainda, repousam inteiramente no talento de se estar convencido, a certas horas, contra a sua convicção, de se recortar uma parte do conteúdo total da consciência, e de a desenvolver para fazer dela uma nova “inteira convicção”. De tal maneira que era uma vantagem para Arnheim nunca estar sinceramente convencido daquilo que dizia.”
Musil (“O Homem sem Qualidades”)
Musil não se refere, evidentemente, aos chamados “vira-casaca” da política que, no fundo, são mais fiéis às paixões do que às suas ideias. A ambição não lhes permite conviverem com o que foram e pensaram, a não ser na modalidade do erro de juventude ou considerando-se vítimas de ludíbrio por parte de algumas pessoas.
Aqueles que gostariam de passar, com armas e bagagens, e dum dia para o outro, para o partido no poder, como as personagens satirizadas no “Conde de Abranhos”, sabem hoje que têm sobre eles os projectores da televisão, que pesam mais do que qualquer fundibulário da escrita jornalística e de que qualquer opinião pública pré-catódica.
O autor austríaco estará a falar, quanto a mim, numa perda geral de fiabilidade no domínio das opiniões, antecipando profeticamente o poder dos media sobre, justamente, a convicção que cada um tem nas suas ideias.
Não é a mesma coisa adquirir uma ideia básica num contexto de afectividade parental e recebê-la com o mesmo nível de atenção e de intensidade moral dum spot publicitário. Certamente que os princípios não se podem adquirir através do consumo mediático.
Logo, seremos ainda capazes de honrar promessas, quando pensamos como o Arnheim de Musil?
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