domingo, 19 de agosto de 2012

O TEATRO DO COLOSSO



"Ele vinha elevar a sua alma ao tom que era preciso para sentir a beleza e os defeitos do seu próprio desenho da cúpula de S. Pedro, tal é o império da beleza sublime; um teatro fornece ideias para uma igreja."


"Promenades dans Rome" (Stendhal)


Miguel Ângelo cismando nas ruínas do Coliseu. Mas aquele foi um cenário de massacres hediondos para pasto dum público depravado. Se bem que o vaso não seja o veneno que pode conter... A arquitectura mais grandiosa e menos grandiloquente, simples, necessária (hoje diríamos 'funcional') pode sempre ser associada ao crime pelos seus 'utilizadores'.

Com a mudança do regime, em Portugal, as sedes da polícia política não foram arrasadas, foram convertidas em museus de história. Os cristãos, depois de Constantino, contemporizaram com a 'glória de Roma', transformando os seus monumentos em igrejas, ou saquearam-nos, pedra a pedra, coluna a coluna. O Coliseu é o melhor exemplo visto ter sido durante séculos uma pedreira para os palácios da aristocracia religiosa ou não. Stendhal refere o caso dos Barberini (o seu palácio é hoje um dos mais importantes museus romanos), que motivaram o célebre adágio: 'Quod non fecerunt barbari fecere Barberini': o  que não fizeram os bárbaros fizeram os Barberini (Paulo II é responsável por ter feito abater o lado  meridional).

O milagre dos milagres, pois chegou quase intacto à nossa era, é o Panthéon. Já foi igreja e agora é uma espécie de mausoléu ( o mais célebre dos seus 'inquilinos' é Rafael).

Em toda esta ideia de beleza sublime aplicada a monumentos como o Coliseu, percebe-se que é um pouco a civilização romana que se julga e quase nada o sacrifício dos primeiros cristãos, considerados pelo poder de então, e com grande perspicácia, como uma seita subversiva.

De facto,  a nova religião atingiu o império no seu íntimo mais vital, verificando-se, no entanto, uma reapropriação do antigo, mais do que uma extinção. Era essa mescla perigosa de prestígio romano e de pompa cristã que, por exemplo, Simone Weil execrava.
 

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