"Ele vinha elevar a sua alma ao tom que era preciso
para sentir a beleza e os defeitos do seu próprio desenho da cúpula de S.
Pedro, tal é o império da beleza sublime; um teatro fornece ideias para uma
igreja."
"Promenades dans Rome" (Stendhal)
Miguel Ângelo cismando nas ruínas do Coliseu. Mas aquele
foi um cenário de massacres hediondos para pasto dum público depravado. Se bem que o vaso
não seja o veneno que pode conter... A arquitectura mais grandiosa e menos
grandiloquente, simples, necessária (hoje diríamos 'funcional') pode sempre ser
associada ao crime pelos seus 'utilizadores'.
Com a mudança do regime, em Portugal, as sedes da polícia
política não foram arrasadas, foram convertidas em museus de história. Os
cristãos, depois de Constantino, contemporizaram com a 'glória de Roma',
transformando os seus monumentos em igrejas, ou saquearam-nos, pedra a pedra,
coluna a coluna. O Coliseu é o melhor exemplo visto ter sido durante séculos
uma pedreira para os palácios da aristocracia religiosa ou não. Stendhal refere
o caso dos Barberini (o seu palácio é hoje um dos mais importantes museus
romanos), que motivaram o célebre adágio: 'Quod non fecerunt barbari fecere
Barberini': o que não fizeram os
bárbaros fizeram os Barberini (Paulo II é responsável por ter feito abater o
lado meridional).
O milagre dos milagres, pois chegou quase intacto à nossa
era, é o Panthéon. Já foi igreja e agora é uma espécie de mausoléu ( o mais
célebre dos seus 'inquilinos' é Rafael).
Em toda esta ideia de beleza sublime aplicada a
monumentos como o Coliseu, percebe-se que é um pouco a civilização romana que
se julga e quase nada o sacrifício dos primeiros cristãos, considerados pelo
poder de então, e com grande perspicácia, como uma seita subversiva.
De facto, a nova
religião atingiu o império no seu íntimo mais vital, verificando-se, no
entanto, uma reapropriação do antigo, mais do que uma extinção. Era essa mescla
perigosa de prestígio romano e de pompa cristã que, por exemplo, Simone Weil
execrava.
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