quarta-feira, 4 de maio de 2016

UM FIM DE NARRATIVA




"Diz Koyré: "É impossível fornecer uma dedução matemática da qualidade. Sabemos que Galileu, assim como Descartes um pouco mais tarde, e pela mesma razão, foi obrigado a suprimir a noção de qualidade, declará-la subjectiva e baní-la do domínio da natureza. O que implica, ao mesmo tempo, que  foi obrigado a suprimir a percepção dos sentidos como fonte do conhecimento e a deciarar que o conhecimento intelectual, e mesmo 'a priori', é o nosso único e exclusivo meio de apreender a essência do real." Na verdade, esse platonismo é bem distante do antigo, na medida em que tanto a compreensão do espaço quanto a do movimento, agora submetidos à lei do número, 'perderam o valor cósmico que podiam ter para Platão'".

(Prefácio de Manoel Barros da Motta a "Do Mundo Fechado ao Universo Infinito" de Alexandre Koyré)

A ordem do mundo não é toda a realidade, mas não podíamos conviver uns com os outros, ao nível local, nem garantir a nossa supremacia de reis do planeta, sem dar todo o valor à razão e ao intelecto, numa palavra, sem confiarmos nos nossos poderes de abstracção.

De alguma maneira, foi-nos mais necessária, depois da mitologia, a construção de um cosmos regido por leis matemáticas (até porque não estava ao nosso alcance qualquer experiência ou manipulação da sua realidade, o que muito contribuiu para o progresso da própria geometria e, talvez, para a primeira ideia de sistema), do que um verdadeiro conhecimento, de resto, impossível

Toda esta aventura podia ser contada como uma história cheia de sentido para a humanidade. O que parece estar a suceder agora é que, como qualquer história, também esta tem de ter um fim. E todos os sinais são mais ou menos interpretados, como o fim de uma grande narrativa.

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