terça-feira, 3 de maio de 2016

A PERSPECTIVA



"O homem dedica-se sempre a uma ordem. Mas, salvo iluminação sobrenatural, esta ordem tem por centro ou ele-próprio ou um ser particular (que pode ser uma abstracção) para o qual se transferiu (Napoleão para os seus soldados, a ciência, o partido, etc.)".

(S. Weil, "Pesanteur", 1943)

"(...) ver sem perspectiva é já uma compreensão."
(idem)

Segundo esta ideia, estamos condenados ao 'antropocentrismo' se adoptarmos qualquer tipo de perspectiva. Nesse sentido, o 'realismo visual' que o Renascimento trouxe ao desenho não é a primeira 'perspectiva'. Antes dos Brunelleschi, a falta de uma distância representada não impedia uma hierarquia (ingénua, digamos assim) de se apresentar simbolicamente, tornando a pintura de então muito mais expressivamente a 'cosa mentale' de que fala Leonardo.

Mas talvez não pudéssemos compreender a Física de Newton sem o Renascimento.

Ora, é de compreensão que fala a filósofa de "L'attente de Dieu". A perspectiva permite-nos ordenar o mundo à nossa imagem, mas afasta-nos da compreensão da realidade, que é sobrenatural, nas palavras de Simone Weil. Aqui não é possível o que Platão anuncia na alegoria da Caverna. Ninguém pode voltar do 'Exterior' para iluminar os cavernícolas. Só a graça divina, directamente, pode operar o milagre.

E é nesta passagem que Simone se afasta da ideia cristã. Aqui há só fatalidade e destino, enquanto a imagem do Mediador está muito mais próxima de Platão. O que conhece a luz é naturalmente um 'retransmissor'.


0 comentários: