Diz Hanna Arendt ("Homens em tempos sombrios") que Broch viveu o conflito narrado na "Morte de Virgílio", em relação à sua obra. O poeta mantuano, "para bem do conhecimento", achava que a "Eneida" devia ser queimada. Esse conhecimento foi depois sacrificado "à amizade entre Virgílio e o imperador e às exigências políticas eminentemente práticas da época que condicionavam essa amizade" e cita o comentário de Hermann Broch sobre Kafka, que poderia ser aplicado a si próprio:
"Ele chegou ao ponto do ou-ou: ou a poesia consegue avançar até ao mito, ou vai à falência. Ao pressentir essa nova cosmogonia, essa nova teogonia que teria de criar, Kafka, lutando com o seu amor à literatura, sentindo a insuficiência fundamental de toda e qualquer abordagem artística, decidiu (como Tolstoi perante uma opção semelhante) abandonar o domínio da literatura, e pediu que a sua obra fosse destruída; pediu-o para bem do universo cuja nova concepção mítica lhe fora confiada."
A recusa do testamento que parece ter sido assumida por tão grandes autores é, certamente, um juízo sobre a própria obra e o reconhecimento da inanidade de todos os esforços tentados pelo espírito humano, quando comparados com a intuição a que chegaram, graças, em grande parte, à experiência fundamental da sua arte.
Dependeu, pois, de um imponderável ( como o bom senso de Max Brod, no caso de Kafka) que a humanidade se possa hoje debruçar sobre esses parapeitos da intuição e do conhecimento.
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