quinta-feira, 12 de maio de 2016

A NÊSPERA





"(...) aquele que tiver lido mais romances engenhosos, ouvido mais narrativas curiosas, esse, digo eu, terá mais conhecimento que um outro, ainda que não haja uma palavra de verdade em tudo o que lhe descreveram ou contaram; porque o hábito que tem de representar no seu espírito muitas concepções o torna mais capaz de conceber o que lhe propõem."
("Nouveaux Essais sur l'entendement humain" de G. Leibniz, citado por Paul Veyne)

Um filósofo do século nascido no século XVII, Leibniz, com este argumento, parece esperar-nos na Segunda Modernidade (Beck).

Porque talvez nos devamos interrogar se esta vantagem em conceber as novas propostas do nosso tempo, graças ao estudo especializado nos mais diversos campos do saber (ou, talvez se devesse dizer, do não-saber), graças à investigação científica e à inovação tecnológica, representam de facto mais do que aquele conhecimento no 'sentido restrito', que seria, de facto, independente da verdade.

Mas, se fosse assim, deveríamos, também, interrogar-nos se alguma vez alcançaríamos os cumes do 'conhecimento restrito' se não fosse a crença de quase todos, de uma maneira ou de outra, conscientemente ou não, na existência da verdade, ou numa verdade da existência.

Profetas, como o autor de "The World at Risk" falam de uma 'impossibilidade de saber' (sobre a realidade, ou a verdade) que atinge todos os nossos esforços para antecipar o futuro.

Ainda não nos demos conta disso, mas o 'conhecimento restrito' mingou assustadoramente, como a nêspera de Mário Henrique Leiria.

A Nêspera

Uma nêspera
estava na cama
deitada
muito calada
a ver
o que acontecia
chegou a Velha
e disse
olha uma nêspera
e zás comeu-a

é o que acontece
às nêsperas
que ficam deitadas
caladas
a esperar
o que acontece





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