Agustina Bessa-Luís |
"Os psicólogos e os psiquiatras, como se viu pelos diagnósticos assinados por Egas Moniz e Júlio de Mattos, detestam tudo o que se chama material empírico, quando os conteúdos psíquicos não são medíveis sem a captação intuitiva da situação total."
Agustina Bessa-Luís ("O mistério da Légua da Póvoa")
A grande senhora das nossas letras diz aqui uma verdade insofismável. Não se devia conhecer menos do que o indivíduo, na sua integridade, (que é como a 'ponta do iceberg') para julgar a sua psique e as muitas vezes pseudo anomalias a que esta está sujeita. Sabemos que isso é impossível e que a justiça, além de 'dever ser cega', para não favorecer ou desfavorecer, não pode deixar de sê-lo em tudo o que não seja uma interpretação da lei.
A lei quando é justa não o é porque conhece o assunto, mas porque é aceite por 'todos', na maioria dos casos, inclusivé pelo réu. Todos nós somos virtualmente culpados, como explicam os contos de Kafka. Ou Ricoeur: "(...) a teologia trágica do deus que seduz, que cega, que extravia. Neste caso, a culpa parece claramente indistinguível da própria existência do herói trágico; ele não comete a falta, é culpado." ("A simbólica do mal")
Maria Adelaide, a personagem de Agustina, foi internada no Conde Ferreira, num processo movido pelo marido para lhe interditar o acesso à sua fortuna, em que, segundo a romancista, aqueles homens de ciência 'assinaram por baixo'. Assim sendo, estes foram a caução 'científica' de que a lei, tornada insegura nesta matéria, precisava para dar como louca uma mulher, quando muito excêntrica.
A 'captação intuitiva da situação total' não está, infelizmente, ao alcance da lei. Um arremedo disso é a moda do 'politicamente correcto', em que se procura desculpar o réu através da sociologia ou de uma psicanálise serôdia.
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