"Se a França tivesse um sistema de representação proporcional, a Frente não teria um mas 77 deputados no novo parlamento francês (...), e a esquerda não teria uma maioria parlamentar."
(Tony Judt in "O Século XX Esquecido")
Judt escrevia isto em 1997. Dezasseis anos depois, o 'monstro' parece estar prestes a iludir as defesas mais sofisticadas da democracia tal como a conhecemos.
O 'monstro' será outra coisa do que aquilo a que Platão já chamava o 'Grande Animal'? Criatura muito pouco recomendável porque se deixa governar pelo ventre (isto é, o medo e os apetites).
A ideia de Rousseau de que as diferentes opiniões individuais, com os seus desvios, para um lado ou para o outro, os seus extremismos, seriam compensadas no cômputo global, acabando o "Povo" por ter sempre razão (estatisticamente, diríamos hoje) está na origem do voto universal e do progresso da democracia.
É uma ideia muito parecida com a da 'Mão Invisível' de Adam Smith, "Mão" que salvaria, no final de contas, a razoabilidade do mercado.
Não sei se é o caso de invocar a teoria dos 'cisnes negros' de Nassim Taleb para confundir esta ideia ingénua. Mas, de facto, parece que não há nada de garantido - e cada vez mais é assim em tempos acelerados - na eficácia do mercado entregue à sua própria dinâmica ou na justiça (porque é disso que se trata) de uma estatística de massas.
Começando pela defesa das minorias e do direito de oposição, vemos que a democracia tem de ser muito mais - ou muito menos - do que a 'vontade popular'.
Se continuarmos na metáfora zoológica, podemos admitir que o 'Grande Animal' na sua 'assiette', como dizem os franceses, é uma coisa, e quando está com febre ou é atacado por uma doença é outra.
A História já nos deu suficientes exemplos da facilidade com que a democracia abre as portas aos seus inimigos, elegendo vários tipos de 'bigode' - dois dos mais famosos ditadores do século XX tinham esse apêndice capilar. Terá sido por estar doente.
O que parece certo é que para salvaguardar as conquistas da moderna democracia se tem que empregar leis e sistemas eleitorais mais e mais sofisticados (por outras palavras, o legislador tem que ser cada vez mais 'astuto'), para conter a interpretação mais demagógica da democracia.
A França vai, pois, de alterar, mais uma vez, a sua lei eleitoral.
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