Dom Quixote |
"Porque ele obstinadamente recusou ajustar 'a imensidão do seu desejo' à 'pequenez da realidade', estava condenado a um perpétuo fracasso."
(Miguel de Unamuno, citado por Simon Leys in "Tha hall of uselessness")
Aquelas palavras referem-se a Dom Quixote, o Cavaleiro da Triste Figura. Leys emparceira com Unamuno e muitos outros na crítica dirigida ao autor, que fez tudo para tornar ridícula a sua criação, na verdade, um símbolo da verdadeira fé. É como se Cervantes não estivesse à altura da sua personagem...
Parece que não há nada a fazer. O maior dos filósofos teve uma sorte parecida, visto que só é lembrado na linguagem corrente pelo adjectivo platónico, para significar o amor que não se consuma, que não sai da esfera do ideal, características que hoje são distintivas da frustração e do malogro.
Quixotesco, pelo seu lado, remete para alguém fora do seu juízo, perdido, não na 'imensidão do seu desejo', mas encarcerado na sua lamentável loucura. O desfecho do romance parece dar razão aos 'ajuizados', aos que se conformam com o estado do mundo, e o próprio fidalgo, na hora da morte, 'reconhece os seus erros'.
Donde vem então a universal admiração por esta figura anacrónica, que confunde moinhos com gigantes e persevera em tratar uma pobre camponesa como a mais bela e merecedora das damas?
Não existe, infelizmente, um quixotesco 'positivo' (nem a palavra o consente; quixotesco rima com grotesco e outros epítetos pejorativos). Não deixa de ser verdade que grande parte das acções 'nobres', desde o princípio votadas ao insucesso, se aparentam à espécie de loucura de Dom Quixote.
Segundo Simon Leys, o fiel escudeiro, Sancho, "não acreditava naquilo em que o seu mestre acreditava, mas acreditava no seu mestre." Pelo que Sancho foi 'convertido', não pelo fidalgo trocar gigantes por moinhos, mas pela sua fé.
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