"Hannah Arendt" (2013, Margarethe von Trotta) |
Entre um cigarro e outro, Hannah pensa (o tal saber que não é conhecimento, como diz o mestre). Donde vem a estranheza perante a mediocridade daquele dignitário nazi que organizou, por toda a Europa, o transporte de judeus para as câmaras de gás? Donde vem aquela invulnerabilidade da consciência funcionária?
Arendt, ao escrever sobre o julgamento de Eichmann, não podia ignorar que era uma pessoa e não um regime, e não uma doutrina por mais assassina que fosse que estava no banco dos réus. Um julgamento pelas vítimas, no país das vítimas. Podia falar-se de justiça, 'segundo as formas da justiça', ou deveríamos falar de ajuste de contas, de aparatoso linchamento, de uma espécie de julgamento popular?
A mediocridade desta 'fera capturada' vinha-lhe de, obviamente, ele não estar à altura dos seus crimes. Crimes nunca vistos na história e que não podiam ser o resultado da vontade de um funcionário zeloso. A tese de Hannah Arendt é que este homem banal era um perito da organização ( no que, por vaidade, podia até ir além das ordens que tinha), mas era incapaz de exercer um juízo próprio, para se adaptar ao 'estado do mundo' tinha abdicado de pensar. O tal pensamento que não é cálculo, nem habilidade de fazer, que não é esperteza, nem sequer inteligência. Mas que é saber viver e pôr-se as questões fundamentais da existência.
A lição do nazismo alemão foi a de que o mal que qualquer um de nós pode fazer não tem limites, a partir do momento em que a dimensão pessoal deixe de ser da nossa responsabilidade. Quando entregamos a nossa capacidade de julgamento a qualquer coisa fora de nós: um colectivo, um partido, um computador. Lembram-se do Hal 9000 do filme de Kubrick?
Não admira que tantos dos seus amigos tivessem virado as costas a Arendt depois da publicação de "Eichmann in Jerusalem".
Para esses ou outros como esses, Arendt será sempre a que traiui o seu próprio povo. Mas um povo não pensa...
Pensar, verdadeiramente, é sempre um escândalo para
o 'sono dogmático'.
Pensar, verdadeiramente, é sempre um escândalo para
o 'sono dogmático'.
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