Vassili Grossman |
"Então, quanto mais severos se tornavam os seus passos, quanto mais pesada era a sua mão, quanto mais obediente à sua violência doutrinal e revolucionária se tornava a Rússia, tanto menos poder ele tinha para lutar com a força realmente satânica da antiguidade escrava."
"Tudo passa" (Vassili Grossmann)
Valdimir Ilyich Oulianov, depois Lenine, apesar de oriundo da pequena nobreza, ambicionava libertar o povo russo da escravatura milenar. Adaptou a teoria marxista para 'saltar' etapas e elevar o seu povo a um pedestal onde brilhasse como um farol para todo o mundo. Os seus dotes de inteligência, firmeza e de organizador potenciaram a força dum partido visionário que emergiu do caos pré-revolucionário.
Parece que era um homem 'simples', delicado para com todos os que não o contrariassem. Então era implacável. Chamar estupor a um ministro seria considerado uma carícia. Não usava das palavras em vão. Tinha o vocabulário da guerra de classes. Os seus olhos perscutadores, olhos de tártaro, não deixavam enganar.
Há sempre, numa crise, uma passagem estreita onde tudo se joga. Lenine foi rápido, genial.
Mas ele não chegou a conhecer toda a extensão do seu gesto. Apesar de ter erguido os caboucos do regime e de lhe ter fornecido a justificação teórica em mais de vinte volumes, teve de passar a palavra, no final da sua vida breve, a um 'alter ego', mais lúcido do que ele, revolucionário quimicamente puro, sem as 'fraquezas' de classe (por que não?) do original.
Grossman, cujo testemunho arrebatador, de escravo prisional, só agora foi traduzido na nossa língua, diz que o grande fracasso de Lenine foi que o mesmo povo escravo que ele queria libertar não mudou nada com a revolução. Senão para se enterrar cada vez mais fundo na obediência ao medo e na passividade. A URSS pôs o primeiro homem no espaço, mas a 'força satânica' da sub-humanidade foi a verdadeira matéria-prima.
Staline bem percebeu que o perigo só podia vir das elites, a começar pela elite que fez a revolução. Daí a nova inquisição e o estado policial.
O êxito ou o fracasso do fundador deve medir-se pelos recuos ou os avanços da 'antiguidade escrava'. Ora, no colapso final, em 1991, onde estavam os cidadãos?
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