"Trindade" de Dürer |
"Deus é a verdade... Não perguntes o que é a verdade; porque imediatamente a escuridão de imagens corpóreas e nuvens de fantasmas se atravessarão no teu caminho e perturbarão a calma que à primeira cintilação te inundou, quando eu disse verdade."
"De Trinitate" (Santo Agostinho, citado por E. Cassirer)
É como em certas parábolas do budismo, em que o mestre, em vez de responder directamente à pergunta do discípulo, o confronta com uma questão 'ao lado', ou com um dito aparentemente absurdo, remetendo-o para a falta de sentido da pergunta.
Já que Agostinho escreve sobre a Trindade, detenhamo-nos aqui. Um dogma, coisa horrendíssima para a nossa época, é muito parecido com a interdição das perguntas que o santo recomenda quando a palavra 'acende a luz'.
Mas o dogma é um escândalo para o pensamento livre, diante do qual nada do que existe pode furtar-se ao escrutínio da razão, pensamento que acredita, contra Kant, que poderemos saber tudo, que o real, por detrás das aparências, é um caminho sem fim, tão infinito como a nosso desejo de conhecer.
Ora, Kant não tem razão se o seu agnosticismo for apenas sensato. Porque ele não nos livra da ilusão: a de julgarmos que conhecemos os nossos limites, principalmente. Parece que vemos aqui a proposta de reduzir a nossa mundividência à vida rigorosamente cronometrada do pensador de Königsberg.
Precisamos, talvez, de nos iludirmos sobre aqueles limites para nos ultrapassarmos a nós mesmos. E, pelo menos no Ocidente moderno, não nos coibimos de fazer perguntas absurdas.
Por outro lado, a dogmática 'profana' não tem cessado de proliferar. Não tendo a sociedade, porém, os órgãos com que a Igreja se dotou, os dogmas têm vida curta. Morrem, geralmente, durante a crise que provocam.
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