terça-feira, 29 de outubro de 2013

O IMORALISTA

André Gide

 

"O seu mútuo amor é óbvio, mas é um amor sublimado, destituído de comunicação. É a vida de dois estranhos que nunca estão seguros de realmente se compreenderem um ao outro, de se conhecerem um ao outro, e que, no fundo dos seus corações, não têm qualquer comunicação."

(Roger Martin du Gard sobre André e Madeleine Gide, citado por Simon Leys)

Pouco depois da morte da sua mãe, Gide casa-se com a sua prima Madeleine Rondeaux. O matrimónio é, como se diz, 'platónico'. O escritor é 'descomplexadamente' homossexual, o que não o impede de ter a sua única descendência de outra mulher, casada com um amigo, o pintor belga Théo van Rysselberghe.

Martin du Gard foi uma das grandes e mais lúcidas amizades de André Gide. Penalizava-o, neste, a falta de controlo sobre as suas 'pulsões' mítico-sexuais, a sua pederastia e o sacrifício que o seu egoísmo impunha a Madeleine. Mas esta, apesar de tudo, foi considerada pelo réu como o único amor da sua vida. Na sua morte, dirá: "desde que 'Em' me deixou, perdi o gosto da vida e, a partir daí, deixo de manter um diário que só poderia reflectir angústia, desgraça e desespero." Mas sabemos que não foi a sua grande paixão.

A estranheza e a falta absoluta de comunicação, de que fala Martin du Gard, começa em 1917, depois da escapadela de Gide com o seu protegido Marc Allégret para Londres. Uma Madeleine humilhada queima todas as cartas de amor de André ao longo de trinta anos (perda, essa sim, inconsolável para o escritor). Por outro lado, o amigo do casal diz que "o seu mútuo amor é óbvio". O que é que aqui não comunica? O 'eterno adolescente' que existe em tantos homens nunca foi impedimento para o amor feminino. Afinal que 'conhecimento' mútuo pode haver no que é tido pelo mais incondicional dos amores: o da mãe?

Madeleine deixa-se vencer pelo demónio do fatalismo. Desinteressa-se da vida, apressa o envelhecimento. Nas palavras do próprio Gide, "Ela age continuamente como se eu já não a amasse e eu ajo com ela como se me amasse ainda... É por vezes terrivelmente doloroso."

Ambos se iludem, afinal, destruindo um equilíbrio precário. O amor é óbvio, mas como maldição.

 

 

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