domingo, 15 de setembro de 2013

PROLETKULT

 

"A Greve" (1924-Serguei Eisenstein)


As imagens admiráveis da “Greve” desfilam diante de olhos desiludidos. Não importa, o prazer permanece intacto. Mas tal como em “Outubro”, uma palavra me vem à ideia: má-fé. Os processos formais para despertar o sentimento de classe deliberadamente desprezam a verdade. O Eisenstein desse tempo havia de rir-se destes escrúpulos.

O soldado a cavalo não esmaga, largando-a sobre o pátio, uma criança anónima, mas o anjo adorável que brincava em casa do operário em greve. E que dizer da caricatura dos patrões, como a de Kerenski no filme da Revolução? No entanto, não é a indignação ou o desprezo que nos inspiram esses traços. Porque têm a beleza das máscaras antigas e das personagens da ópera. Por que havemos de pensar em termos de realismo quando visivelmente o autor troçava disso?

Reduzir os conflitos pessoais à acção de forças sociais manobradas como descargas de música sinfónica, no meio do que surge, inesperadamente, o brilho solitário dum metal, eis a sua arte. Os rostos sujos e viris, a nudez dos sentimentos, a luz de Tissé, o tempo das imagens, formam uma torrente, irredutivelmente subjectiva, em que a marca do artista não deixa nenhum espaço ao reflexo do real e à objectividade.

Não faltarão os imbecis que se enganem no partido de Eisenstein. A história não vale nada. O que vale é o contar. A arte não é 'livre' da sua própria regra. O sentido do drama não podia ser reaccionário porque a forma o não consentiria. Para dizer o contrário devíamos demorar-nos na alma burguesa e reduzir a greve e os operários a uma abstracção. Era preciso que os donos da fábrica não fossem gordos, nem bebessem, não vestissem smoking nem fumassem charuto, nem que limpassem o sapato à folha das reivindicações. Mas então os operários deveriam ser pessoas e não figuras da massa coral. A unidade da obra exigia esse contraponto do colectivo proletário e do individual burguês.

Depois, há uma criança que se vai tornar na vítima ideal da brutalidade da polícia. Um operário que se enforca. É o nome da revolta, como no “Couraçado Potemkine”. E o quarto desarrumado do homem em casa. Aí o operário é isolado necessariamente, mas para viver o mesmo drama dos outros camaradas. Para realçar no conflito doméstico a força da unidade de classe.

 

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