Padre Pio |
"Tu não és obrigado. Ainda te resta um pouco de tempo para viver; tu não és obrigado a passares a ocupar-te de uma inválida." diz uma personagem do romance de Michel Houellebecq ("Les particles élémentaires"). O comentário vem a seguir: "Os elementos da consciência contemporânea já não estão adaptados à nossa condição mortal."
Visitei recentemente o santuário, na Puglia (San Giovanni Rotondo), onde se encontra o corpo, aparentemente 'intacto', do Padre Pio, falecido em 1968. O 'milagre dos estigmas' impôs-se perante a massa dos crentes antes de ser 'recuperado' pela Igreja. A polémica à sua volta não tem hoje qualquer importância. Francesco Forgione (o nome com que nasceu) fez-se um testemunho vivo da cruz e viveu só para isso. As doenças que teve, umas atrás das outras, podem ter sido todas 'psicossomáticas', mas todas fizeram parte da 'imitação', escolhida como programa de vida.
O retrato do jovem capuchinho mostra-nos o olhar de um visionário ou de um louco. Não do 'grão de loucura' que, segundo Pessoa, nos salva do 'cadáver adiado', mas do homem que vive fora da realidade e nos surpreende e inquieta pela força de sentido desse outro mundo de que nos fala.
A sua vida foi um exemplo do 'dolorismo' católico. Francisco de Assis, o caso mais conhecido entre os duzentos e cinquenta casos de estigmatizados reconhecidos pela Igreja, é outro homem, portador de uma alegria quase panteísta.
O fenómeno de popularidade do Padre Pio em Itália, sempre actual, talvez seja uma confirmação do que diz aquele comentário de Houellebecq. Não é no terreno da razão moderna que podemos 'entranhar' a nossa condição mortal. A morte continua a ser um escândalo confiado ao sacerdócio cientista que um dia será relegado para "o museu de antiguidades, ao lado da roda de fiar e do machado de bronze" (Engels).
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