Pietà de Florença |
"Savonarola, sem dúvida, admirava e amava Platão. Ainda assim, pensava que o o objecto da arte devia ser a edificação religiosa e mostrava esse ideal aos artistas 'no rosto de uma mulher piedosa, quando está a rezar, iluminado por um raio de beleza divina'. Miguel Ângelo desprezava tal arte feita para os devotos e deixava-a aos Flamengos. Tinha horror à sentimentalidade e quase ao sentimento. 'A verdadeira pintura", dizia, 'nunca fará ninguém derramar uma lágrima'."
(Romain Rolland, "Miguel Ângelo")
Não sei se devemos atribuir essa opinião de Miguel Ângelo ao facto de ele próprio nunca se considerar pintor (apesar dos frescos inultrapassáveis da Capela Sistina).
Como escultor que queria ser, a declaração impõe-se naturalmente. Toda a escultura que quer comover é ridícula. Mesmo a mais dramática (como, por exemplo, nos 'Burgueses de Calais') pode ser 'expressionista', mas nunca sentimental.
Porém, num tempo em que o cinema não existia ainda para imitar na perfeição os sentimentos humanos ( e não se pode descartar o cinema dos sentimentos como consistindo apenas em dramalhões), por que é que a pintura não lhes poderia ser dirigida? Foi, de resto, essa eficácia dramática da pintura que foi usada na Contra-Reforma para 'motivar' as almas tentadas pelo espírito do 'livre exame', que se atribuia aos seguidores Lutero.
O mármore não pode imitar a expressão humana (a não ser a dos 'corações de pedra'). Por isso, é por outras vias que a escultura convoca a emoção e o sentimento. Miguel Ângelo deu, ele próprio, o melhor exemplo nos seus 'toscos'. A verdade é que a Pietà de Florença (ou de Bandini, de 1550) é mais comovente do que o frio classicismo da outra Pietà que se encontra no Vaticano, e que o grande artista esculpiu nos seus verdes anos.
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