domingo, 28 de abril de 2013

JACOB E O ANJO

"Jacob e o Anjo" (Delacroix)

 

"E Jacob ficou sozinho; e um homem lutou com ele até ao nascer do dia. E quando viu que não o podia vencer, atingiu-o na coxa; e a perna de Jacob ficou paralisada durante a luta. E disse: 'Deixa-me ir porque o dia amanhece'. E Jacob respondeu: 'Não te deixarei partir enquanto não me abençoares.' E ele perguntou-lhe: 'Qual é o teu nome?'. E ele respondeu:'Jacob.' E então disse: 'Não mais te chamarás Jacob, mas Israel: porque como príncipe tens poder com Deus e com os homens, e prevaleceste."

(do Livro do Génesis)


Esta é, sem dúvida, uma das passagens mais obscuras do Antigo Testamento.

A história parece roçar a blasfémia (como se podem comparar a força divina e a de um homem?). Mas não nos podemos esquecer que é através da figura do Anjo que Deus emprega a sua força, para experimentar Jacob no seu próprio terreno, que pode muito bem ser o do sonho. E como é que Jacob conhece o seu oponente senão pelo toque da coxa? Delacroix mostra-nos, no entanto, que o Anjo se defende e que a iniciativa é toda de Jacob.

O que importa é que tenha sido preciso travar-se uma luta e que dessa luta saiu um novo ser. É mais uma vez a estrada de Damasco. Paulo cai do cavalo, e muda de nome e de religião. Jacob luta com o Anjo até o amanhecer e é ferido na anca, recebendo o nome de Israel.

A técnica literária deste trecho coloca-o, como nos contos infantis, no domínio da criação poética. É inexplicável, onírico e rico de sentidos. Como se só por essa via - e não a da racionalidade e a da lógica - se pudesse lidar com a presença do divino. A dramatização de Deus como um dos actores na história 'sagrada' não é a do teatro burguês. Corresponde a uma necessidade de representação do irrepresentável.

Como é que a luta de Jacob com o Anjo se poderia conformar à descrição duma cena 'real'? Os 'milagres' e o onirismo, uma profunda obscuridade, não são acidentes numa narrativa plausível, são a própria essência do poético.

 

 

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