"O accionista fica pensativo diante do total das
despesas gerais. Os negócios engordam, e o lucro emagrece. Tal é a malícia da
organização. Isso aparece em parangonas no Estado, onde vemos que os vigilantes
mais alto colocados fixam primeiro os seus salários, que são belíssimos
salários. No ensino público, por exemplo, aquele que faz trabalhar os outros
é mais bem pago do que aquele que trabalha. Este género de patrão assalariado é
um produto da organização. Tem um gabinete, recebe, escreve, viaja; inventa ele
mesmo o seu trabalho; e todas as suas combinações têm um duplo fim; pensa em
fazer trabalhar os outros e em aumentar o seu próprio salário. No que o vejo
atarefado e agitado. Mas é preciso acreditar que o emprego é bom, porque para o
conseguir se empurram uns aos outros. Este espírito dos Altos Assalariados
infiltrou-se também na indústria. É que não há razão para que um grande patrão
não seja ele próprio o seu mais alto empregado e para que não reserve para os
seus filhos e sobrinhos os bons lugares de que dispõe. Vale muito mais ser pago
a cem mil francos do que esperar a sua parte dos lucros. As despesas gerais aumentam; mas com os gastos da
organização passa-se o mesmo que com o preço do cobre ou do carvão. É preciso o
que é preciso. E quem quer que organize gabar-se-á um dia de um aluguer
ruinoso; sempre as despesas gerais. Há uma espécie de leilão desse lado que é
mal conhecida; esse género de homem multiplica as suas despesas; declama contra
a vida cara e finalmente cria esta opinião de que cem mil francos são apenas o
pão do organizador. É uma maneira de erguer como num pedestal o mínimo do
vencimento fixo. É assim que a confraria dos Patrões Assalariados se eleva
vertiginosamente, multiplicando os gabinetes de estudo e de estatística. Tal é
o nosso grande cérebro; e é ele mesmo que nos dirá se somos ricos ou pobres e
porquê."
"Propos sur l'économique" (Alain)
Este "propos" escrito em plena crise dos anos
20-30, poderia até há bem pouco tempo ser atribuído a qualquer 'velho do
Restelo', destituído da audácia dos 'novos tempos', presa de velhos
preconceitos sobre a prudência e o 'realismo' em economia.
Foram de facto tempos em que seria impensável um
comentador como Medina Carreira, com o seu espírito, alguns diriam, 'pequeno-burguês', ter a
audiência que tem na televisão.
Passámos da cornucópia do dinheiro fácil a uma rápida
perda da soberania, às mãos de credores assustados, no afundamento do
Lehman, com o que parecia uma vingança da realidade sobre o espírito de ganância.
Talvez que a 'realidade' nos tenha feito acertar o passo.
Mas a história parece dizer outra coisa. A sucessão de falências dos estados (
a nossa é só a sexta desde há duzentos anos; no mesmo período "existiram, pelo menos, 250 falências de países" - Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart da Universidade de Harvard, citados por Luís Gonçalves no "Sol") e as dívidas colossais de alguns dos países
mais ricos diz-nos que a 'realidade' se parece muito com uma conjuntura e com um estado de espírito, nem sempre lúcido. Uma descoberta pode
inverter as situações (os EUA estarão em vias de rentabilizar as suas jazidas de xisto betuminoso, e de deixarem de depender das importações de petróleo), e o regresso da
confiança ou da credulidade dos grandes investidores (entre os quais se
encontra a poupança dos trabalhadores) precipitar-nos-á num novo ciclo de
crescimento 'sustentado' em meras hipóteses.
Mas a história de que serão as gerações futuras a pagar
as dívidas dos avós está mal contada. Era preciso saber a parte que a revolução
tecnológica e a política jogam no ressarcimento dívida. Talvez seja, aliás, a única forma das populações beneficiarem dos ganhos de produtividade que a elite dos negócios quer só para si e, evidentemente, para os especialistas da computação.
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